Um teste desenvolvido e patenteado porpesquisadores de Ribeirão Preto (SP) permite identificar, antes mesmo do início do tratamento, os portadores de artrite reumatoide que não respondem à droga metotrexato (MTX) – considerada padrão ouro no combate à doença.
Dados epidemiológicos indicam que o medicamento não funciona em cerca de 40% dos casos. Atualmente, é necessário esperar de três a seis meses após o início da terapia para descobrir se o paciente está reagindo. A demora, de acordo com os médicos, pode comprometer as chances de cura.
A pesquisa que tornou possível o desenvolvimento do kit para fazer o exame foi conduzida durante o mestrado e o doutorado de Raphael Sanches Peres, no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID, na sigla em inglês), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.
Os resultados acabam de ser publicados em artigo na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
“Este é um bom exemplo de pesquisa translacional e o CRID permitiu sua cristalização. No momento, estamos em negociação com empresas de biofármacos com o objetivo de licenciar a metodologia”, disse Fernando de Queiroz Cunha, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e coordenador do CRID.
Composto por anticorpos monoclonais ligados a moléculas fluorescentes, o kit permite quantificar a expressão da enzima CD39, essencial para que o metotrexato desempenhe sua ação anti-inflamatória.
“A CD39 é uma das ectonucleotidases – enzimas expressas na membrana de algumas células do sistema imune e de células endoteliais responsáveis por quebrar as moléculas de ATP (adenosina trifosfato) até gerar adenosina. Estudos anteriores já haviam mostrado que o principal mecanismo de ação do metotrexato na artrite reumatoide é mediado pela adenosina”, explicou Peres.
Ainda durante o mestrado, Peres analisou amostras de sangue de um grupo de portadores de artrite reumatoide atendidos no Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto e observou que aqueles que não respondiam ao tratamento com MTX apresentavam deficiência na expressão de CD39.
Já no doutorado, Peres acompanhou um grupo de portadores da doença que nunca haviam sido tratados com o objetivo de descobrir se já chegavam à clínica com a expressão da enzima reduzida.
Amostras de sangue foram coletadas e analisadas antes do início do tratamento com metotrexato e, novamente, três meses depois. Os resultados mostraram que, nos pacientes que melhoraram com a terapia, houve um aumento mais significativo no número de células T reguladoras (Treg) – um dos linfócitos responsáveis pela expressão de CD39 e pelo controle da inflamação.
Além disso, as Treg dos pacientes não respondedores ao metotrexato expressavam, proporcionalmente, menos CD39 que os linfócitos dos respondedores ou de indivíduos saudáveis. “Essa diferença já era observada antes do tratamento dos pacientes com MTX”, contou Peres.
Para confirmar os achados, os cientistas do CRID padronizaram um protocolo de tratamento com metotrexato em um modelo animal de artrite reumatoide.
“Induzimos a doença em camundongos e tratamos os animais durante cinco semanas. Os resultados comprovaram a importância do aumento de células Treg para mediar os efeitos do metotrexato. Quando administramos uma molécula capaz de inibir a enzima CD39, o MTX perdeu o efeito anti-inflamatório”, disse Peres.
Até o fim do doutorado, Peres pretende concluir novos experimentos para descobrir por que a expressão de CD39 está reduzida em pacientes que não respondem ao medicamento.
Janela de oportunidade
De acordo com Peres, o preço de custo do exame para medir a expressão da enzima CD39 é de aproximadamente US$ 10 (R$ 27).
Apenas uma pequena quantidade de sangue é necessária, sendo o teste rápido e fácil de realizar em qualquer laboratório dotado de um aparelho de citometria de fluxo. O resultado pode ser divulgado em aproximadamente dois dias.
O método, segundo o pesquisador, poderia auxiliar os médicos no planejamento da terapia. “A ideia é que, assim que o paciente for diagnosticado com artrite reumatoide, ele seja submetido ao teste. Caso o resultado indique baixa expressão de CD39, o médico deverá prescrever um tratamento alternativo”, comentou Peres.
As drogas imunobiológicas, como, por exemplo, o bloqueador de TNF-α (fator de necrose tumoral alfa), são atualmente as melhores opções ao metotrexato. A desvantagem é o custo mais elevado, além de também não serem eficazes em todos os pacientes.
Para o reumatologista Paulo Louzada Junior, co-orientador de Peres e coautor do artigo na PNAS, a vantagem do teste desenvolvido pelo grupo do CRID é permitir ao médico pular etapas e trabalhar dentro da chamada “janela de oportunidade” da doença.
“Estudos indicam que, se a inflamação for controlada dentro de no máximo um ano, aumentam as chances de alcançar remissão total da doença. Ou seja, podemos suspender o remédio e dar alta para o paciente”, disse Louzada Junior.
Quando a janela de oportunidade é ultrapassada, porém, um medicamento que poderia funcionar se administrado logo no início da inflamação torna-se menos eficaz. Além disso, acrescentou Louzada Junior, quanto mais tempo se leva para controlar o processo inflamatório, maior é a probabilidade de ocorrerem lesões nas articulações.
A artrite reumatoide é uma condição autoimune, causada pela agressão do sistema imunológico ao próprio organismo. As articulações sinoviais são os principais alvos. Estima-se que a doença afete entre 1% e 2% da população mundial. No Brasil são 50 mil novos casos a cada ano.
O grupo do CRID pretende também investigar se a baixa expressão da enzima CD39 pode comprometer o tratamento de outras doenças reumáticas, como psoríase, lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica.
O artigo Low expression of CD39 on regulatory T cells as a biomarker for resistance to methotrexate therapy in rheumatoid arthritis (doi/10.1073/pnas.1000948107), de Raphael Sanches Peres, Fernando Q. Cunha e outros, pode ser lido aqui por assinantes da PNAS.

Fonte: http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/teste-pode-ajudar-na-terapia-contra-artrite-reumatoide